Pedagogia continuada

O trabalho cotidiano do ator está muito além da cena. Isto é, para além dos resultados revelados no espetáculo teatral, há a permanente investigação das potências de seu corpo, voz, imaginação etc.

Algumas pessoas nomeiam este espaço do trabalho sobre si como “treinamento de ator”. O uso desta palavra, treinamento, desperta debates diversos: afinal, é possível treinar habilidades que tornem o ator apto à cena? Mais: sendo o teatro invenção, como é possível treinar habilidades para linguagens ainda não conhecidas? O treino, então, só nos tornaria aptos à realização do que já conhecemos.

Lembremos que, na segunda metade do século XX, o diretor polonês Jerzy Grotowski renovou o uso desta palavra. Para ele, o treino é o espaço em que o ator se vê com o a realidade do ofício que escolheu. Depois de apropriações muitas, porém, a palavra desgastou-se e, não raro, é tomada como manual que torna um ator um “ator melhor” – sendo isso pressionado por muitas concepções técnicas, poéticas, filosóficas, espirituais.

Aprendi com a diretora e professora Maria Thais uma outra prática: pedagogia. A diretora lembra que no teatro russo são tênues os limites entre criação e aprendizado. Ora, enquanto criamos a cena criamos igualmente os procedimentos técnicos necessários a ela. Neste sentido, o espaço pedagógico não estaria limitado ao espaço formal da escola de teatro. Ao contrário, a pedagogia confunde-se com um estado permanente em que o artista se abre às experiências que o atravessam, aprendendo com elas.

Neste limite entre criação, pedagogia e pesquisa, tudo ensina. Daí a profunda necessidade do artista da cena manter espaços de investigação e estudo. Como, enfim, viabilizar em si o aprendizado proporcionado pelo exercício cotidiano do teatro? Estar pronto, lembro de Shakespeare, não é se considerar apto, acabado, mas em prontidão.